Direito Econômico
A vulnerabilidade dos microempreendedores do Maranhão frente à LGPD: análise dos impactos socioeconômicos e desafios estruturais
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Uma conversa com
Introdução
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei nº 13.709/2018, representa um marco significativo no reconhecimento da privacidade como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Seu alcance é amplo, estendendo-se a todas as empresas, independentemente de seu porte, incluindo os micro e pequenos negócios que constituem importante base econômica em muitas regiões do país.
No Maranhão, estado de rica diversidade cultural e social, a atividade dos microempreendedores assume papel central na geração de renda e no desenvolvimento local. Contudo, a realidade desses agentes econômicos é permeada por desafios estruturais que influenciam diretamente a compreensão e a aplicação da LGPD. A limitação no acesso a recursos tecnológicos, as desigualdades educacionais e a insuficiência dos serviços públicos de apoio são aspectos que dificultam a plena conformidade com a legislação.
Diante desse contexto, o presente artigo busca analisar de forma cuidadosa e fundamentada a situação dos microempreendedores maranhenses frente à LGPD, avaliando os impactos econômicos e sociais decorrentes da não conformidade, bem como apontando propostas que possam contribuir para a superação dos obstáculos identificados, promovendo um ambiente mais seguro e sustentável para os pequenos negócios.
1. O Maranhão e o perfil dos microempreendedores: aspectos socioeconômicos e digitais
O Maranhão possui uma expressiva base de micro e pequenas empresas, responsáveis por grande parte da movimentação econômica local. Segundo dados da Junta Comercial do Maranhão (JUCEMA) de 2020, existiam mais de 316 mil empresas em atividade, sendo que aproximadamente 89% desse total correspondia a microempreendedores individuais (MEIs) e microempresas.
Esse panorama revela o empenho de inúmeros homens e mulheres que, por meio do empreendedorismo, buscam a manutenção do sustento familiar e a contribuição para o desenvolvimento regional. No entanto, tais empreendedores frequentemente enfrentam limitações quanto ao acesso a infraestrutura tecnológica e capacitação, bem como níveis variados de escolaridade, fatores que interferem no entendimento e implementação das medidas previstas na LGPD.
A concentração das empresas em municípios como São Luís e Imperatriz contrasta com as condições mais restritas encontradas em cidades do interior, onde o acesso à internet de qualidade e a serviços de apoio é mais limitado. Conforme pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), apenas 54% das empresas maranhenses utilizam a internet para fins comerciais, índice inferior à média nacional de 70%, apontando para a necessidade de fortalecer a inclusão digital como instrumento de modernização dos negócios.
Complementarmente, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que parcela significativa da força de trabalho possui apenas o ensino fundamental completo ou menos, evidenciando a importância de estratégias educativas e jurídicas adaptadas à realidade local, que permitam a melhor compreensão da LGPD e facilitem sua aplicação prática.
2. Nível de conhecimento e conformidade dos microempreendedores com a LGPD
Apesar da importância da LGPD para a proteção dos direitos fundamentais, observa-se que grande parte dos microempreendedores do Maranhão ainda enfrenta dificuldades para compreender os seus dispositivos e aplicá-los no cotidiano empresarial. Pesquisa realizada pelo SEBRAE Maranhão (2022) indicou que cerca de 67% dos microempreendedores desconhecem conceitos básicos da LGPD ou não sabem como operacionalizá-los em seus negócios, enquanto apenas 12% afirmaram ter recebido orientação formal sobre o tema.
Tal cenário não decorre de desinteresse, mas reflete barreiras concretas, tais como a complexidade da linguagem jurídica, a escassez de capacitações específicas e os elevados custos para contratação de consultorias especializadas. Assim, muitos microempreendedores continuam a tratar dados pessoais sem a adoção de protocolos formais, o que os expõe a riscos jurídicos e financeiros.
Cabe destacar que os setores de comércio e serviços, que representam a maioria dos microempreendimentos no estado, são os que mais coletam e processam dados pessoais, tornando a adequação à LGPD uma necessidade urgente para garantir a segurança e a confiança nas relações comerciais.
3. Desafios estruturais que agravam a vulnerabilidade dos microempreendedores
A adequação à LGPD no Maranhão enfrenta desafios que ultrapassam o campo do conhecimento, envolvendo aspectos estruturais profundamente enraizados no contexto socioeconômico local:
Infraestrutura tecnológica limitada: a cobertura de banda larga fixa no estado atinge apenas cerca de 42% da população (Anatel, 2023), dificultando o uso de ferramentas digitais seguras e a automatização dos processos de tratamento de dados;
Baixo nível de escolaridade digital: o acesso à internet não implica necessariamente a habilidade para utilizar os recursos digitais de forma segura e estratégica;
Insuficiência de suporte jurídico e técnico acessível: a maioria dos microempreendedores não dispõe de condições financeiras para contratar especialistas, e os serviços públicos ainda não conseguem suprir adequadamente essa demanda;
Concentração econômica e desafios na execução de políticas públicas: a centralização das atividades econômicas em poucos municípios e a fragilidade na condução de políticas públicas dificultam o acesso a serviços de capacitação e infraestrutura no interior do estado.
Essa conjuntura torna evidente que o não cumprimento da LGPD por parte dos microempreendedores, em muitos casos, resulta não de negligência, mas da falta de condições concretas para observância da norma.
4. Impactos socioeconômicos da não conformidade com a LGPD
A não conformidade com a LGPD pode acarretar consequências que vão além das multas previstas em lei, as quais podem alcançar até 2% do faturamento anual da empresa, limitadas a R$ 50 milhões por infração. Para microempreendedores que possuem faturamento anual limitado a R$ 81 mil, as penalidades financeiras podem representar um risco significativo à continuidade do negócio.
Ademais, o impacto reputacional em comunidades menores, onde as relações de confiança são essenciais, pode ser bastante prejudicial. Vazamentos ou uso inadequado de dados pessoais podem comprometer a credibilidade junto aos clientes e parceiros, gerando perdas econômicas e sociais difíceis de serem revertidas.
Portanto, o risco associado à não conformidade é amplo e demanda atenção estratégica, sobretudo para que os pequenos negócios possam se manter competitivos e seguros em um mercado cada vez mais digitalizado.
5. Propostas para a superação dos desafios
Diante do exposto, a superação das dificuldades dos microempreendedores maranhenses no cumprimento da LGPD requer a implementação de estratégias integradas, que considerem as especificidades locais e busquem viabilizar a conformidade de maneira acessível e sustentável.
Estruturação institucional e governança colaborativa
Sugere-se a criação de um Programa Estadual de Conformidade Básica em LGPD, coordenado pela Secretaria de Indústria e Comércio, em parceria com a Junta Comercial do Maranhão (JUCEMA), SEBRAE e instituições de ensino superior locais. A governança tripartite garantiria a articulação entre poder público, setor privado e academia, promovendo ações integradas de capacitação, suporte e monitoramento.Capacitação adaptada e formação de multiplicadores
A formação de agentes locais, como técnicos do SEBRAE, professores e líderes comunitários, possibilitaria a disseminação de conteúdos sobre a LGPD em linguagem clara e contextualizada, por meio de oficinas, cursos e materiais didáticos voltados à realidade dos microempreendedores.Desenvolvimento e disponibilização de ferramentas simplificadas
A criação de kits de conformidade, contendo documentos modelo, checklists e fluxogramas simplificados, homologados pelo programa estadual, facilitaria a implementação das medidas necessárias, incluindo práticas como a minimização da coleta de dados e rotinas periódicas de atualização e exclusão de informações.Ampliação do suporte jurídico e técnico
O fortalecimento dos serviços públicos, por meio de núcleos de atendimento presenciais e virtuais em parceria com a Defensoria Pública e o SEBRAE, possibilitaria orientações especializadas e a mediação de conflitos, promovendo a cultura da conformidade.Incentivos econômicos e fomento
A implementação de micro-subvenções, linhas de crédito facilitadas e incentivos fiscais condicionados à comprovação de conformidade básica com a LGPD constituiria importante estímulo para os microempreendedores investirem em adequação tecnológica e capacitação.Integração normativa e políticas públicas complementares
A inserção de orientações relativas à LGPD no processo de registro empresarial e a criação de certificações municipais para pequenos negócios em conformidade poderiam fortalecer a visibilidade e o reconhecimento dessas práticas no mercado local.Monitoramento, avaliação e aprimoramento contínuo
A definição de indicadores claros e a realização de avaliações periódicas, com divulgação transparente dos resultados, possibilitariam ajustes nas estratégias e maior eficácia na implementação das ações.Projetos-piloto e expansão progressiva
A realização de projetos-piloto em regiões estratégicas, como São Luís e Imperatriz, permitiria a experimentação e aprimoramento das medidas propostas, facilitando a expansão para outras áreas do estado.
Conclusão
A aplicação da LGPD no Maranhão impõe desafios consideráveis aos microempreendedores, cujas condições socioeconômicas e estruturais muitas vezes dificultam a plena conformidade com a legislação. Contudo, reconhecer essas dificuldades não significa renunciar ao compromisso com a proteção dos direitos fundamentais, mas, sim, buscar soluções adequadas que conciliem a efetividade da lei com a realidade local.
Assim, a cooperação entre poder público, instituições de apoio, academia e a própria comunidade empresarial revela-se imprescindível para promover um ambiente que valorize a proteção de dados como um elemento de confiança e sustentabilidade para os pequenos negócios, fortalecendo, dessa forma, o desenvolvimento econômico e social do estado.
Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL). Dados sobre banda larga no Brasil – 2023. Disponível em: https://www.anatel.gov.br. Acesso em: 08 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 ago. 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 08 ago. 2025.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL (CGI.br). Pesquisa sobre o uso da internet e digitalização das empresas no Maranhão – 2023. São Paulo: CGI.br, 2023. Disponível em: https://cetic.br. Acesso em: 08 ago. 2025.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 08 ago. 2025.
JUNTA COMERCIAL DO MARANHÃO (JUCEMA). Anuário Estatístico da Junta Comercial do Maranhão – 2020. São Luís: Governo do Estado do Maranhão, 2020. Disponível em: https://www.jucema.ma.gov.br. Acesso em: 08 ago. 2025.
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE) Maranhão. Perfil e capacitação dos microempreendedores individuais – 2022. São Luís: SEBRAE, 2022. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/lgpd-para-micro-e-pequenas-empresas,9d7e57d98f6ea610VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acesso em: 08 ago. 2025.
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