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Análise Econômica do Direito e Judicialização da Saúde: o custo invisível das decisões judiciais
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A judicialização da saúde no Brasil deixou de ser um fenômeno episódico para se tornar um elemento estrutural do sistema jurídico e sanitário. O volume crescente de ações judiciais que buscam medicamentos, tratamentos experimentais e insumos fora das políticas públicas tradicionais evidencia tensões entre a garantia constitucional do direito à saúde e a capacidade administrativa e financeira do Estado. Sob a perspectiva da Análise Econômica do Direito (AED), esse fenômeno revela um conjunto de impactos coletivos e custos difusos que nem sempre são considerados na decisão judicial.
A AED, enquanto abordagem metodológica, busca compreender como regras jurídicas, decisões e instituições afetam comportamentos humanos e alocação de recursos. No contexto da saúde, essa abordagem tem se mostrado essencial para compreender como decisões individuais, ainda que fundamentadas em necessidades reais, podem gerar efeitos sistêmicos significativos.
Decisões individuais, impactos coletivos
Um dos pontos centrais da AED é a análise dos incentivos e efeitos econômicos que emergem das decisões judiciais. Quando o Judiciário determina que o Estado forneça um medicamento de alto custo, muitas vezes não incorporado ao SUS, sem registro na Anvisa ou sem comprovação de eficácia, o orçamento público precisa ser reorganizado para atender àquela demanda específica.
Esse processo produz o chamado efeito deslocamento (crowding-out): recursos destinados a políticas universais, como campanhas de vacinação, atenção básica ou tratamentos coletivos, são realocados para atender demandas individuais, frequentemente de valores elevados. O resultado pode ser a redução da eficiência global do sistema e a ampliação das desigualdades no acesso.
Incentivos distorcidos e insegurança orçamentária
Outro ponto relevante é a criação de incentivos distorcidos. A crescente prevalência de decisões favoráveis à concessão de medicamentos não previstos nas políticas de saúde pode estimular:
pressões de mercado por parte de indústrias farmacêuticas;
aumento de demandas por tratamentos sem comprovação científica;
desigualdade no acesso ao sistema, já que pessoas com maior informação, recursos ou acesso jurídico tendem a judicializar mais.
Além disso, a falta de critérios uniformes entre tribunais cria um cenário de insegurança orçamentária, dificultando o planejamento do gestor público. Sem previsibilidade, políticas sanitárias perdem estabilidade e eficiência.
A contribuição da Análise Econômica do Direito
A Análise Econômica do Direito não se propõe a restringir direitos fundamentais, mas sim a fornecer instrumentos para decisões mais eficientes e equitativas. Entre as contribuições práticas trazidas por essa abordagem, destacam-se:
incorporação de análises de custo-efetividade e impacto orçamentário;
fortalecimento do diálogo institucional entre Judiciário, Executivo e especialistas;
priorização de soluções que maximizem o bem-estar social agregado;
aprimoramento metodológico das decisões que envolvem políticas públicas complexas.
Dessa forma, a AED ajuda a revelar o custo invisível das decisões e a orientar políticas que conciliem direitos individuais e sustentabilidade coletiva.
Por que esse debate é urgente no Brasil?
O Brasil possui um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, com demandas crescentes e orçamento limitado. A incorporação de tecnologias inovadoras, muitas vezes de alto custo, coloca pressão sobre o sistema e reforça a necessidade de decisões judiciais que considerem evidências científicas, impactos econômicos e eficiência distributiva.
A judicialização sem critérios econômicos claros pode comprometer a sustentabilidade do SUS e aumentar desigualdades, tornando a discussão ainda mais urgente e estratégica para o país.
Considerações finais
Garantir o direito à saúde é um dever do Estado e um pilar da Constituição de 1988. Entretanto, a distribuição de recursos escassos exige decisões responsáveis, eficientes e orientadas pelo bem-estar coletivo. A Análise Econômica do Direito oferece ferramentas valiosas para compreender essa complexidade e orientar soluções mais equilibradas.
A pergunta que permanece é: como conciliar direitos fundamentais com justiça distributiva? A resposta passa, inevitavelmente, pelo diálogo entre Direito e Economia.
Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Judicialização da saúde no Brasil. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/judicializacaodasaude. Acesso em: 26 nov. 2025.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Health Technology Assessment and Priority Setting. 2024. Disponível em: https://www.who.int. Acesso em: 26 nov. 2025.
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